A cada edição desta série de reportagens especiais sobre o Uso Racional de Medicamentos, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) busca conscientizar sobre práticas seguras no consumo e prescrição de remédios. Especialistas explicam como promover o uso adequado de medicamentos, reforçando o compromisso dos hospitais universitários com a segurança do paciente e a melhoria da assistência em saúde.

Esta terceira reportagem da série aborda os riscos do uso indevido de antibióticos e o avanço da resistência bacteriana. Mais do que uma questão individual, tratam-se de um problema coletivo de saúde pública que desafia a medicina e exige mudança de atitude em toda a cadeia do cuidado.

Quando o remédio deixa de funcionar: o avanço da resistência bacteriana nos hospitais

Nem sempre o desafio está na gravidade da doença, mas na capacidade de resposta do tratamento — e essa resposta tem sido dificultada pelo avanço da resistência. “Já é uma ameaça importante, especialmente em pacientes mais graves. Temos infecções causadas por bactérias que não respondem às opções terapêuticas habituais. Em alguns casos, é preciso modificar os esquemas já propostos por falta de alternativa eficaz”, explica o infectologista Alberto Chebabo, gerente de Atenção à Saúde do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ).

“Antibióticos são usados de forma indiscriminada também fora do ambiente hospitalar, como em infecções virais que não necessitam do medicamento. Isso expõe as bactérias a uma pressão seletiva que acelera a resistência”. O impacto, segundo o médico, se reflete em maior tempo de internação, maior mortalidade e aumento significativo dos custos com tratamentos de segunda ou terceira linha.

Além disso, Chebabo alerta para um ponto crítico, priorizado nas boas práticas da Ebserh: a capacidade de adaptação das bactérias. “Algumas espécies, como o Acinetobacter baumannii, sobrevivem no ambiente hospitalar por muito tempo. Podem estar na cama, no mobiliário, nas superfícies. Sem uma higienização rigorosa, aumentariam os riscos de infecções cruzadas entre pacientes”.

No HUCFF, o controle rigoroso existe desde os anos 1980. Nenhum paciente usa antibiótico sem avaliação da comissão de controle de infecção hospitalar. Durante a pandemia de covid-19, mesmo com o aumento expressivo de internações, a unidade conseguiu manter os indicadores de resistência sob controle e retornar aos níveis anteriores com rapidez.

Uso racional de antimicrobianos: protocolos e economia a favor da vida

Na teoria, todo mundo sabe que não se deve usar antibiótico sem indicação. Na prática, a realidade é outra. Por isso, o Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA-Ufal) criou, em 2021, um projeto pioneiro de controle do uso de antimicrobianos. “Percebemos um consumo muito alto, sem critérios claros, com tratamentos longos demais e uso excessivo de cefalosporinas de terceira geração. Então, Farmácia e Controle de Infecção se uniram para mudar isso”, explica a infectologista Raquel Guimarães.

O projeto estabeleceu protocolos, limitou o tempo de uso e passou a exigir solicitação justificada para determinados medicamentos. “Os resultados foram aparecendo. Reduzimos o uso de antibióticos e o tempo de permanência dos pacientes, e alcançamos economia de mais de R$ 1 milhão”, afirma Raquel. Segundo ela, a integração com o sistema AGHU foi fundamental para garantir agilidade na análise dos pedidos e no retorno técnico.

A chefe do Setor de Farmácia do HUPAA, Anna Claudia Tomaz, participou diretamente da catalogação dos dados. “Durante os anos de 2022 a 2024, a redução acumulada no custo com antimicrobianos foi de mais de R$ 1,3 milhão, com queda expressiva também na taxa de infecções até 2023. Esses números mostram que boas práticas, como o uso racional de antibióticos e a higienização das mãos, estão interligadas e dependem da atuação conjunta das equipes”, afirma.

O impacto vai além da economia. “A prática do uso racional foi incorporada à cultura do cuidado, atingindo também os antimicrobianos que não são de uso restrito. Isso contribui para reduzir a multirresistência microbiana e melhorar a segurança do paciente”. Como próximo passo, Anna explica que o hospital pretende desenvolver novos indicadores qualitativos. “É preciso fortalecer continuamente a cultura do uso racional e investir na capacitação das equipes”, completa.

Educação em saúde: um remédio coletivo contra a resistência

Nem sempre o combate à resistência está na prescrição: muitas vezes, ele começa com a conversa. No Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS), o projeto "Maio pelo Uso Racional de Medicamentos" tem levado informação sobre antibióticos para dentro das enfermarias e até para a comunidade.

“A educação em saúde é uma ferramenta essencial para combater a resistência bacteriana. Quando o paciente entende os riscos de interromper o uso sem orientação, por que aquele medicamento não serve para resfriado, ele vira um agente de segurança”, afirma Simony Soares, chefe da Unidade de Farmácia Clínica do HU-UFS.

A farmácia clínica do hospital também atua em todas as fases do tratamento: participa da elaboração de protocolos, avalia prescrições, monitora resultados de culturas e orienta os profissionais da assistência. “Fazemos parte do time gestor e operacional. A gente acompanha desde o início da prescrição até o desfecho, com foco na efetividade e segurança, e auxiliando na escolha terapêutica mais adequada”, explica.

Simony também destaca que ações educativas regulares mudam a cultura profissional e o comportamento dos pacientes. “O paciente passa a questionar, a querer entender o tratamento. Já os profissionais buscam mais a equipe da farmácia clínica para discutir doses, interações e tempo de uso. A mudança acontece aos poucos, mas é real”.

Casos como os relatados nesta reportagem mostram que a resistência bacteriana não é um problema do futuro: é uma urgência do presente. No próximo e último episódio da série "Medicamento Seguro", vamos falar sobre um outro perigo do uso inadequado de remédios: a dependência medicamentosa, os riscos do desmame malfeito e o que fazer quando o medicamento não funciona como deveria.

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