Nesta segunda reportagem da série especial “Medicamento Seguro”, da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), especialistas abordam os cuidados com a conservação, os riscos de interações medicamentosas e a importância da prevenção de reações alérgicas. Em uma sociedade onde é comum o uso simultâneo de vários remédios e onde hábitos simples — como o local onde se guarda um comprimido — podem comprometer um tratamento, conhecer essas práticas é essencial para a saúde individual e coletiva.

Onde guardar, quando descartar: o que o paciente precisa saber

Quem nunca guardou medicamentos na porta da geladeira, no armário do banheiro ou junto ao tempero na cozinha? Prático, sim. Mas pode ser perigoso. “Esses locais sofrem variações de temperatura e umidade que comprometem a integridade do produto. Isso pode reduzir a eficácia e até torná-lo inseguro para o uso”, alerta a farmacêutica Anna Claudia Tomaz, do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA-Ufal).

A recomendação, segundo ela, é clara: medicamentos devem ser guardados em local seco, fresco, arejado e protegido da luz direta — como uma prateleira alta em ambientes mais neutros da casa. “E nunca ao alcance de crianças ou animais. Isso é fundamental para evitar acidentes domésticos graves” adverte Anna.

Além da data de validade impressa, ela orienta que mudanças na cor, no cheiro ou na consistência também são sinais de alerta. “Muitos medicamentos têm validade reduzida após abertos, e isso deve ser anotado na embalagem. Também é importante fazer o descarte correto — e no HUPAA temos um ponto específico para isso, acessível aos pacientes”, comentou.

Líquidos, pomadas, antibióticos ou comprimidos: todos exigem cuidados. “O importante é manter a embalagem original, com rótulo e bula legíveis, e seguir rigorosamente as instruções de armazenamento e uso”, reforça Anna. No hospital, o atendimento farmacêutico garante que essas informações sejam repassadas com clareza aos pacientes no momento da dispensação de medicamentos.

Interações silenciosas: como o uso combinado de fármacos pode comprometer o tratamento

O problema pode não estar no armazenamento ou na validade, mas na combinação que ninguém observou. “Muitas interações medicamentosas só são identificadas quando o tratamento apresenta ineficácia ou os exames demonstram algo errado — como alterações na função renal ou hepática”, explica Valquiria Perlin, farmacêutica do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM).

No HUSM, esse acompanhamento é realizado como parte da rotina nas unidades de terapia intensiva e cárdio intensiva. Nestas unidades, farmacêuticos clínicos monitoram diariamente os medicamentos administrados e avaliam possíveis interações com ajuda de plataformas digitais disponibilizadas pela instituição. “Quando detectamos um risco ou uma interação medicamentosa, levamos à equipe assistente durante os rounds e discutimos os ajustes necessários”, conta Valquiria.

Fora do ambiente hospitalar, os cuidados continuam. “Nós auxiliamos o paciente a utilizar estratégias que facilitem o entendimento a fim de garantir a adesão ao tratamento — como grafias e desenhos nas embalagens dos medicamentos (pictogramas), esquema de cores diferentes ou mesmo palavras. Desta forma, evitamos erros e garantimos adesão e eficácia do tratamento em casa”, continua a farmacêutica.

Além disso, a profissional lembra que não são só medicamentos que interagem entre si. “Suplementos, alimentos e até chás podem interferir no efeito dos medicamentos. Um exemplo importante é o uso de varfarina com vegetais de folhas verde-escuras ou chá verde, que pode reduzir a eficácia do anticoagulante e aumentar o risco de trombose”.

Alergias medicamentosas: reconhecer, prevenir e cuidar com segurança

Às vezes, o problema está na resposta imprevisível do próprio corpo. Tem gente que toma um remédio e passa mal, mas acha que é só um efeito colateral, mas pode ser uma reação alérgica grave.

“Nem toda reação adversa a drogas é uma alergia, reações graves podem acontecer também em quadros não alérgicos.  As reações alérgicas merecem atenção especial porque fazem parte do grupo de reações imprevisíveis na primeira vez que acontece. Por isso, o diagnóstico correto é fundamental, para que não ocorram novamente”, alerta Daniella Moore, médica alergista do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap-UFF).

Estatísticas ajudam a dimensionar o problema: 80% das reações adversas são previsíveis, relacionadas a superdosagem, efeitos colaterais, interações ou intolerâncias. Apenas 5 a 10% são, de fato, reações alérgicas — mas podem evoluir de forma grave e rápida.

O início súbito, logo após a exposição à droga, de urticária (manchas vermelhas que coçam e mudam de lugar), inchaço nos lábios ou nas pálpebras, falta de ar, vômitos ou queda de pressão arterial estão entre os principais sinais de anafilaxia — uma reação alérgica potencialmente fatal. “Neste caso, é fundamental interromper o uso imediatamente e buscar atendimento de urgência”, alerta a especialista.

Mas e quando a reação aparece com um remédio que a pessoa já tomou várias vezes, sem problema algum? Parece estranho, mas acontece. “Às vezes, o organismo precisa passar por uma primeira exposição para se sensibilizar. E tem casos em que uma infecção viral que acontece junto ao uso do remédio pode potencializar essa sensibilização”, explica Daniella.

E será que a pessoa deixar de ser alérgica com o tempo? “Na prática, isso é raro. O mais comum é que nunca tenha sido uma alergia de verdade”, afirma. Segundo a médica, o que se vê com frequência são diagnósticos equivocados. “Quando alguém é rotulado como alérgico a determinado princípio ativo, especialmente antibióticos, fica com opções restritas a tratamentos importantes. Isso afeta o paciente e sobrecarrega o SUS, que precisa recorrer a alternativas mais caras e menos indicadas”.

Estratégias que podem ser utilizadas para reduzir as reações adversas incluem: práticas como registro padronizado de reações no prontuário, checagem tripla das prescrições por médicos, farmacêuticos e enfermeiros, “treinamentos periódicos sobre identificação precoce e manejo de anafilaxia, e a realização de investigação por imunologista sobre a causa da alergia”, completa.

No dia a dia do SUS, a informação faz toda a diferença

Nos corredores da farmácia do HUPAA-Ufal, quem busca tratamento leva mais do que caixas de remédio: leva também orientação. Eliude da Silva, dona de casa de 46 anos, conta que recebeu todas as instruções ao retirar os medicamentos da mãe, dona Josefa. “Sim, fui orientada. Explicaram tudo direitinho”, resume. Edilson Marcelino, de 60 anos, também destaca: “Fui orientado. Deram as informações certinhas, devo tomar o remédio de 12 em 12 horas. Achei muito bom”. Já Rafael Conceição da Silva, office boy de 35 anos, reforça: “A farmácia do HU tem um ótimo atendimento. Esclarece tudo, todas as dúvidas — inclusive sobre como armazenar”.

Casos como o de Rafael, Edilson e Eliude mostram que o uso racional de medicamentos começa com uma escuta atenta e termina com o paciente consciente — pronto para cuidar da própria saúde com mais segurança. Mas quando isso não acontece, o prejuízo vai além do tratamento malfeito: surgem infecções resistentes, antibióticos que não funcionam mais e um risco que se espalha para todos.

Na próxima reportagem desta série, vamos falar sobre o avanço silencioso da resistência bacteriana, os perigos do uso indiscriminado de antibióticos e o esforço dos hospitais universitários para conter essa ameaça.

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